Jornal O ValeParaibano – junho, 2005

Entrevista: Prof. Dr. WILSON CABRAL DE SOUSA Jr.

Professor de Engenharia Ambiental e Economia dos Recursos Naturais no ITA-Instituto Tecnológico de Aeronáutica, coordenador do Núcleo de Gestão de Qualidade do Ar em São José dos Campos e região.

Quais foram os números da Cetesb em 2004 em relação a São José dos Campos e região, em termos de concentração de ozônio? Qual é o padrão normal e qual é o limite de atenção?

Valores padrão são utilizados para se definir patamares máximos da presença de algum poluente na atmosfera. No caso do Ozônio, o valor máximo considerado como não prejudicial ao meio ambiente pelo CONAMA é de 160g/m3 (leia-se “microgramas de ozônio por metro cúbico de ar”), em monitoramento contínuo de 1 hora. A CETESB trabalha com um limite chamado “de atenção”, que é um valor a partir do qual estima-se que os danos provocados pelo ozônio podem se manifestar. Este limite é de 200g/m3. Já a Organização Mundial de Saúde – OMS – estabeleceu recentemente um novo limiar, de 120g/m3, obtidos em monitoramento contínuo de 8 horas, predizendo danos a partir deste patamar. O monitoramento da CETESB em 2004 apontou ultrapassagem dos níveis de atenção em 7 ocasiões (dias) e do valor padrão em 1 ocasião, mantendo-se o mesmo patamar de 2003. Cabe salientar, entretanto, que mesmo em níveis pouco menores que os valores do Padrão de Qualidade do Ar (PQAr), o ozônio pode ser prejudicial para exposições prolongadas. Um outro índice, o VRPP – Valor de Referência para a Proteção da Produtividade, procura medir esta exposição (no caso, o monitoramento envolve valores médios de um período de 3 meses de medição). O limite para este índice é de 78g/m3. Durante os meses de agosto a outubro de 2004, este valor foi ultrapassado em 30%, trazendo implicações para a produtividade relacionada à agricultura.

 Quais são as conseqüências para o meio ambiente e, principalmente, para as pessoas, de uma concentração de ozônio fora do padrão?

O ozônio é um agente que atua na oxidação da matéria orgânica. Esse processo, nos seres vivos, afeta principalmente as superfícies com as quais o ar entra em contato. As plantas são diretamente impactadas, pois o ozônio age diretamente sobre a superfície foliar. Nós, seres humanos, inalamos uma grande quantidade de ar diariamente, expondo os tecidos pulmonares ao contato com elementos da atmosfera, inclusive os poluentes. Esse contato, estando o ar carregado de ozônio, pode iniciar uma degradação dos tecidos pulmonares, afetando diretamente a capacidade de realização de trocas gasosas do pulmão, impactando, conseqüentemente, o nosso metabolismo a partir do sistema respiratório. O ozônio, por seu caráter altamente oxidante, é capaz de modificar o equilíbrio ambiental de ecossistemas ou alterar a bioquímica das plantas, podendo afetar a produção agrícola de forma significante (em relatório lançado este ano, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) estimou perdasagrícolas da ordem de 500 milhões de dólares anuais causadas pelo ozônio)

 No inverno a tendência é que os números piorem? Por que?

O inverno é a época do ano em que as condições locais de circulação atmosférica facilitam a concentração de poluentes no ar. Isso se deve principalmente às inversões térmicas, que “aprisionam” o ar, diminuindo a dispersão dos compostos gasosos. No verão a dinâmica é maior e, conseqüentemente, a dispersão dos poluentes também. Além disso, no verão as chuvas de final de tarde contribuem para quebrar a formação de ozônio. Porém, podem ocorrer variações nesse comportamento, fato que não elimina eventuais riscos de efeitos danosos em razão de quedas na qualidade do ar, mesmo nas épocas mais quentes. Isto vale para a maior parte dos poluentes atmosféricos. Já o ozônio tem um comportamento um pouco diferente, uma vez que sua geração está associada à maior incidência de radiação solar. Os picos de concentração, nesse caso, acontecem não no inverno mas sim na primavera, quando aumenta a incidência solar e ainda não se atingiu o período mais chuvoso (as nuvens diminuem a incidência solar, reduzindo a formação do ozônio). Este fato nos coloca o desafio de trabalhar a gestão da qualidade do ar para todo o ano e não apenas em determinadas estações.

Qual é o principal causador de problemas no ar da nossa região: a concentração de indústrias ou o número alto de veículos automotores em circulação?

As contribuições para a poluição do ar vêm de várias fontes e possuem impactos diversos. Assim, a indústria é fonte de alguns tipos de poluentes, como os óxidos de nitrogênio e de enxofre, enquanto as emissões veiculares são responsáveis pelo monóxido de carbono e hidrocarbonetos orgânico voláteis. Estima-se que boa parte das emissões atuais é oriunda das fontes móveis (veículos). Porém, outras fontes podem contribuir significativamente para a qualidade do ar em níveis locais. É o caso das queimadas, tanto em áreas rurais quanto em áreas urbanas, e das emissões de compostos voláteis em postos de combustível e em outros processos não controlados. Enfim, há uma grande gama de agentes poluentes que devem ser melhor monitorados para um diaagnóstico mais preciso .

Como é feito o controle da qualidade de ar em São José e região?

A Cetesb possui uma estação de monitoramento da qualidade do ar no município. Ela se localiza no Jardim Jussara, próxima ao estádio de futebol, e está equipada com sensores para ozônio, monóxido de carbono, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e material particulado. A estação mede também parâmetros meteorológicos, como direção e intensidade de ventos, umidade e temperatura, o que permite que se estabeleça, minimamente, a partir de modelos, as características de dispersão de poluentes e contaminantes e, com isso, se tenha uma idéia da qualidade do ar, ainda que de maneira indireta.


 

O INPE trabalha com esses modelos. A Petrobrás adquiriu há alguns anos uma estação móvel de monitoramento da qualidade do ar. Chegou a fazer algumas medições mas teve problemas com calibração de sensores, principalmente de ozônio, e suspendeu temporariamente o monitoramento a partir dessa estação. Em 2003, a Petrobrás sinalizou um acordo com a Cetesb, pelo qual a empresa doaria a estação de monitoramento móvel para o órgão estadual. Esse acordo, que seria fruto de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da empresa para com o órgão ambiental, ainda encontra-se em vias de finalização, dependendo de detalhes técnicos e jurídicos. O acordo prevê que a estação móvel seja utilizada exclusivamente na região.

Qual cidade do Vale do Paraíba que apresenta as piores condições de ar? E qual apresenta as melhores?

São José dos Campos e região se situam num contexto complexo de emissões atmosféricas. Na verdade, existe um mosaico de vetores que contribuem para a qualidade do ar em nossa região, dentre os quais temos o setor industrial, as emissões veiculares urbanas (automóveis e ônibus), emissões veiculares ao longo das vias de acesso (Rodovia Dutra) e as queimadas. Assim, o monitoramento também é objeto de complexidade. Uma única estação pode, em diversas situações, não ser representativa (e de fato não o é) da qualidade do ar de todo o contexto municipal e regional. É de se esperar que, em determinadas situações e localidades, a qualidade do ar esteja melhor ou pior do que apontam os níveis divulgados pela Cetesb. E ainda, como a poluição atmosférica é concentrada, diluída e ou transportada pelo deslocamento de massas de ar, a poluição gerada em um município pode vir a produzir impactos em outros.

Quais são as técnicas de prevenção e controle da poluição que melhorariam a situação do ar em São José e região?

O que se propõe para o Município e Região é um amplo programa de Gestão da Qualidade do Ar, que contemple desde a geração de emissões até os aspectos de saúde relacionados à qualidade do ar. Envolve uma participação da iniciativa privada, principalmente do meio industrial e dos empresários de transporte, do poder público, por meio das Secretarias de Transporte, Meio Ambiente, Saúde e Planejamento, e das organizações sociais – não governamentais. Dentre as ações que se sugere, estão: i) realização de inventário de emissões; ii) aperfeiçoamento do monitoramento da qualidade do ar; iii) melhorias no transporte urbano que reduzam as emissões – por exemplo, redução de congestionamentos, instalação de semáforos inteligentes e sincronizados, incentivo ao uso de bicicletas e ou veículos menos poluentes; iv) uso de instrumentos jurídicos e econômicos para adequação da frota circulante – por exemplo, multas por poluição veicular, incentivos à regulagem de motores, etc; v) redução e controle de queimadas em meio rural e urbano; vi) controle de queima de resíduos sólidos em aterros irregulares; vii) realização de campanhas de esclarecimento sobre os danos da poluição atmosférica e formas de contribuição da população. Estas são apenas algumas medidas que, de modo geral, poderiam contribuir para a melhoria da qualidade do ar na região. O ideal é que não sejam tomadas de maneira isolada e sim no bojo de um plano maior de gestão.

Qual é o trabalho desempenhado pelo Núcleo de Gestão da Qualidade do Ar? Quem está envolvido nesse trabalho (pessoas e instituições)? O poder público está engajado ao trabalho do Núcleo?

O núcleo foi lançado no final de 2003, após o I Workshop de Gestão da Qualidade do Ar em SJCampos e Região, e contava com participantes da Prefeitura Municipal (Secretarias de Saúde e de Planejamento/Meio Ambiente), de institutos de pesquisa (ITA e INPE), de empresas da região (VCP, Petrobrás, Saae/JCI), além de profissionais atuantes em meio ambiente. O objetivo era o de engajar diversos atores relevantes para um processo de gestão participativa da qualidade do ar, fazendo com que iniciativas promissoras e ou propostas científicas pudessem se tornar efetivas a partir da colaboração de todos. O poder público é peça chave nesta proposta, uma vez que boa parte dos trabalhos envolve diretamente os Governos Municipais e ou suas secretarias. Talvez por isto, e tendo em vista o ano de 2004 ter sido um ano eleitoral, os trabalhos do Núcleo sofreram uma breve paralisação. Pretende-se retomar as atividades a partir da realização do II Curso de Gestão da Qualidade do Ar em Centros Urbanos – que ocorre no INPE – e do II Workshop de Gestão da Qualidade do Ar em SJCampos e Região, que acontecerá no próximo dia 31 de maio, a partir das 14:00 no INPE. Uma vez que as atividades sejam retomadas, os resultados serão publicados na página do núcleo.

 O poder público tem adotado medidas para a contribuição da melhoria das condições do ar atmosférico na região?

Conforme já salientado, o poder público municipal é um dos principais atores num sistema de gestão da qualidade do ar, em função das atividades coordenadas por este, como por exemplo a gestão do transporte urbano (trânsito, conformidade de veículos, etc.) e o plano diretor municipal (que define o perfil do município e a inserção das atividades produtivas (e poluentes) em sua matriz econômica. Nos últimos anos não houve uma contribuição significativa do poder público para esta temática, reforçando a necessidade de sensibilização de Prefeito e Secretários para o assunto. No entanto, já há uma sinalização interessante a partir da criação da Secretaria de Meio Ambiente, fato que nos faz esperar um maior engajamento do poder público nestas iniciativas.

 

 

 

 


 
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